RICARDO Da FONSECA | WIDEBRASIL | Corpo Fechado

Quem me conhece bem sabe que pouca coisa me faz recuar. Posso até avançar desorganizadamente, mas não tenho medo de nada na vida. Muito menos da morte, a qual debocho sem economia, afinal, nos termos dos escravos do misticismo, tenho "corpo fechado".  
Se tenho proteção, então, não tenho medo. Mesmo que alguns me achem arrogantemente presunçoso, sei que nada vai me acontecer. E acredito com muita segurança que é assim. Então, não há beco, rua ou ladeira que me faça recuar - se tiver o intuito de seguir. Óbvio que a prudência é amiga de alguma coisa e também não dou mole para o cochilo dos anjos. Nem para traficante do Turano. Fato é que Rocinha, Pavãozinho ou Icaraí não me metem medo. Nem Plantalto, STF ou TRE, apesar de serem esses perigosos ninhos de cobra.
Bom. Niterói não me metia medo.

Até quarta-feira passada, quando voltando do Rio de ônibus, por volta das 23:30, ao invés de saltar na Praia de Icaraí para pegar o ônibus 46, sabiamente, saltei no último ponto da Joaquim Távora, antes da curva do túnel - perto do Morro do BigHorse.
Ninja, treinado para o olhar atento, confesso que estranhei, ao descer do ônibus, o motorista do 740 ficar parado alguns instantes com a porta de trás aberta como se quisesse me induzir a subir novamente no ônibus.
Em vão. Quando pressinto o perigo, rio dele e caminho em sua direção, afinal, "my body is closed".
Pois bem. Dessa vez confesso que pensei que o tal do anjo da guarda tava querendo me sacanear. Greve, talvez. Ou algum boicote político na esperança de me fazer religioso ou algo assim.
O fato é que após a minha negativa, o motorista seguiu seu rumo.
Nesse mágico momento, se descortinou para mim uma cena não muito tranquilizadora. Sentados no chão, cinco moleques da vida evidentemente drogados voltam seus olhares para esse impiedoso ninja e ameaçam um movimento em minha direção.
Sábio e discreto, faço aquela velha expressão do tipo: "putz! Esqueci o dinheiro do ônibus. Vou ter que voltar para casa." Talvez em vão, afinal eles cinco se levantam. Experiente, concluí que sendo uma quarta-feira, os meninos só iriam me perguntar o resultado do jogo da noite.
Como não sou muito fã de jogos de futebol, sabia que não ia poder ajudar meus futuros novos amigos.
Achei melhor caminhar, então, em direção contrária ao túnel e ir para a Praia de Icaraí. Com movimentos rápidos, quase que imperceptíveis, iniciei minha caminhada no sentido pretendido.
Qual foi minha surpresa ai ver que 30 metros antes dos amiguinhos que abri mão de confraternizar, havia outro grupo de semelhantes características que se levantaram, também, com um deles atravessando a rua na minha direção.
Aff! Será que esse povo não assiste jogo pela TV? Tem que ficar incomodando quem só quer chegar em casa?
Bom. Seja como for, não sou pago para repassar resultados nem quero novos amigos por agora.
Enquanto todo esse enredo se desenvolvia, e eu já me via aplicando golpes mortais de autodefesa nos dez bandidinhos, eis que na minha frente surge o 46.
Fiz sinal e entrei no ônibus, adiando para outro dia o irremediável meeting.
Apesar das brincadeiras, foi a primeira vez nos últimos trinta anos que achei que a coisa podia acabar mal e que não deveria ter saltado àquela hora da noite naquele ponto.
É. Talvez eu esteja ficando velho e meus golpes ninja já não possam me proteger de uma nova Niterói. 
Nem mesmo os anjos.
Talvez.

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