BRUNO QUINTELLA | Do FACEbook | Não foram poucas vezes que ouvi absurdos

Meu pai foi assassinado num microondas. Para quem não conhece a prática, basta assistir ao filme Tropa de Elite. Mas adianto por aqui: empilhar pneus, a vítima em pé dentro da pilha, gasolina e ateia-se fogo. Quem foi assassinado não foi só um jornalista da TVG. O fato de Tim Lopes ser negro, de origem humilde, cria da Mangueira, abriu feridas e, a partir dali, soubemos que muitas pessoas da favela eram mortas dessa mesma maneira covarde, medieval, grotesca. Ele não foi morto por ser negro. Mas sua cor com certeza contribuiu para que sua morte fosse subestimada. Seus assassinos avaliaram mal, assim como os da vereadora. É claro que a ignorância dos algozes – de Marielle Franco e de Tim Lopes – é o fator potencializador e surtiu o efeito contrário: as vozes se multiplicaram. Mas os ouvidos se dividiram.
Quem são menino Benjamin, Maria Lúcia e José Roberto? São os mortos do fim de semana do Complexo do Alemão, local onde Tim Lopes foi assassinado. Repórter negro (não vou omitir a cor) morto no microondas dentro da Grota. São três vítimas pelas quais Marielle representava na câmara, em seu primeiro mandato. Anderson, assim como Marielle e Tim, foi morto trabalhando.
Faz quase dezesseis anos que a violência entrou na minha vida que toda tentativa de mundança é amputada, seja pelo tráfico ou pela milícia. Tim Lopes e Marielle Franco não foram ameaçados antes de seus assassinatos porque nunca teriam chance. Já estavam marcados e era questão de tempo.
Não usavam armas de fogo.
Não foram poucas vezes que ouvi absurdos sobre meu pai. Na faculdade, na rua, no táxi, no ônibus, de amigos próximos, em mesa de bar, até na internet, em época que rede social não havia. Quantos policiais foram mortos no microondas até que a vida e o trabalho de um repórter fossem interrompidos dessa mesma forma covarde? Quantos jornalistas foram assassinados no Rio de Janeiro antes de Tim Lopes justamente pelo trabalho que faziam? A morte de Tim Lopes abriu feridas. Ele morreu como muitos moradores morrem nas favelas.
Quantos vereadores no Rio de Janeiro foram assassinados antes de Marielle Franco?
A opinião alheia é de difícil convívio. Ainda mais quando são rasas e preconceituosas. Mas é o preço da democracia. O assassinato de um vereador no Brasil não é novidade para quem mora no interior. O assassinato de um jornalista também não. Ou de radialista. Ambientalista?, tampouco. Mas quando o interior se aproxima do centro urbano é que passamos a prestar atenção. A homilia do padre numa missa dominical em Ipanema é interrompida a gritos de dois homens:
-- Padre filho da puta!
Foram retirados por outros fiéis antes que o negócio pudesse ficar mais feio.
A três quilômetros dali, em Copacabana, poucas horas depois, num nos maiores redutos de samba do Rio (e o mais conhecido da zona sul), o Bip-Bip, um policial rodoviário federal se sentiu ofendido pela homenagem feita pela roda à vereadora assassinada, Marielle Franco:
-- E os duzentos policiais mortos?!
Foi vaiado, xingado e retirado do bar. Voltou com a arma na cintura, a polícia foi chamada, além de uma viatura da PRF com mais quatro agentes, para mediar um conflito de um colega de folga que se sentiu incomodado com a homenagem a uma representante do povo pobre e favelado.
Apenas dois episódios na bolha da zona sul do Rio. Horas antes, do outro lado da cidade, Marielle era homenageada na Maré. Lá não apareceram – até onde sei – nenhuma dupla de valentes a xingar um padre nem um policial rodoviário federal pagando de brabo com arma na cintura.
Por quê, não é?

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