RICARDO Da FONSECA | Do FACEbook | Historinhas na hora do almoço
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Alguns anos atrás, fui visitar uma amiga de anos que morava na Favela X, no Rio de Janeiro.
Papo vai, papo vem, seu pai, um cearense trabalhador e honesto - motorista de táxi há décadas, sentou pra conversarmos. O cabra não sabia que tinha levado uma garrafa de cachaça para comemorarmos uma situação positiva que ocorrera com essa amiga.
Quando soube, parecia que estava com um diamante em mãos. E o inevitável aconteceu: tivemos que dividir nossa cachaça por três copos, e não mais dois como planejávamos.
Pior. A cada um copo meu, o velho entornava dois...
Resultado: ele ficou mais alegre e expansivo bem antes da hora de eu ir embora.
Mas o papo foi bom. Contou histórias da sua vida, sua ralação na cidade... Falou até da máfia dos táxis do "Seu Paschoal", português dono de uma frota de táxis e que enricou mais ainda alugando diárias extorsivas para pessoas como o velho.
Elogiei o Seu Paschoal, afinal, ele descobriu o melhor modelo de negócios do mundo: tem mais de trezentos motoristas trabalhando para ele sem que desembolse nenhum tipo de benefício para os escravos, afinal, a diária o libera desse ônus. 13º? Férias? Descanso semanal?
Ah! Para que isso se posso ter centenas de motoristas diaristas pagando R$ 150,00 a R$ 250,00 por dia mantendo meu negócio e protegido por um esquema forte com a Prefeitura da Cidade?
O maluco riu e continuou contando suas histórias.
Foi quando ele, já mais prá-lá do que prá-cá contou a história dos tempos que chegou nessa favela, vindo das propriedades da família Gereissati - Ceará.
Contou que quando chegou aqui, já tinha uma formação pessoal e era um cara muito honesto. Não se metia com vagabundo e trabalhava para construir sua vida. Certa vez, estando tomando uma cachaça no bar da rua (na favela), eis que surge um rapaz magro com aparência normal e se aproxima dele. O velho, sempre gentil, oferece uma branquinha para ele. O magrela aceita e conversam a tarde inteira. Riem muito, tiram sarro um do outro e passam uma tarde daquelas que passamos com pessoas que conhecemos há muitos anos - não me refiro aos primos chatos.
A cachaça era boa e o papo também, mas ele tinha que ir embora.
Quando foi se despedir do novo amigo, esse revelou quem era: ele era o dono do morro.
O velho, à primeira vista, não gostou do que ouviu, mas como boa parte dos cabras que vem do Ceará para o Rio de Janeiro, seguiu a sua máxima de "cuidar da própria vida". Se abraçaram e se despediram.
A partir daquele dia, construíram uma sólida amizade - apesar de o velho não aceitar nenhum tipo de agrado vindo do amigo traficante.
E alguns anos se passaram. E a amizade permanecia como da primeira vez - sincera e sem interesses (aliás, como toda amizade deveria ser).
Certo dia o velho está em casa e batem à porta de sua casa. Ele se levantou e abriu a porta. Era seu amigo Y - o dono do morro.
O diálogo foi curto, iniciado pelo dono do morro: "meu chapa, é o seguinte: estou indo embora do morro e vim te agradecer todos esses anos de amizade. Tu é um cara muito maneiro."
O velho, sabendo de todas as "vantagens" de ser dono do morro, perguntou: "Mas por que, meu amigo? Por que essa mudança tão inesperada?"
Foi quando o Y - futuro ex-dono do morro - explicou: "Amigo, fui informado de que o Comando da PM vendeu meu morro para outra facção. Em breve, não sei quando, os PMs vão entrar e fazer a limpa para a entrada do outro grupo".
Se despediram e o noite caiu.
Eu, ouvindo a história de uma pessoa tão honesta e já alcoolizada - falando o que não devia - não tive dúvidas de que a história era real.
Continuamos a conversa, até que o velho capotou.
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Conto essa historinha para que a gente possa, aos poucos, entender que essa história de tráfico e drogas sempre - desde a década de 70 pelo menos - foi explorada por integrantes do Estado e de seus braços, como no caso, a própria PM.
E lembrar, de novo, que quando alguns são beneficiados por uma democracia seletiva, no fundo, não vivem em uma democracia.
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