BRUNO NASCIMENTO | Do FACEbook | "Sobre voos'


Escrevi esse texto para uma oficina de contos e compartilho aqui porque acredito que seja importante fazermos coisas que vão além do que fazemos no dia-a-dia. É fundamental ampliar o nosso olhar para o presente — e para o futuro.
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‘Sobre voos’
Nunca voei. Sei que é deprimente um pássaro que nunca tenha voado. E não é por não saber, mas pela falta de coragem. Morro de medo de ser caçado por urubus ou gaviões. Mas são aves que voam tão alto que, se um dia me vissem tropeçando em minhas próprias asas, se esse dia chegasse mesmo, acredito que não iriam me devorar apenas para que me sentisse ainda mais patético. Mesmo assim, não arrisco colocar um pé que seja para fora da gaiola. O grande dia chegou e não consigo sair daqui. A porta está aberta e a sensação que me dá é que se sair, ficaria trancado do lado de fora.
Agora dizem pra eu voar. Assim: voa! Está livre! (Como se soubessem). Sinto pela primeira vez o gosto incômodo da liberdade, um sentimento de culpa por não ter mais certeza de nada. Antes era tudo mais fácil. Nunca soube lidar com sentimentos humanos, mas hoje aprendi. Sofro de angústia. Passei a vida toda esperando por esse momento, o de ser livre, de voar sem rumo, sem certezas. Tantos cantos que imaginava entoar ao ser livre, como se fossem cornetas a celebrar o livre-arbítrio. Pouco me importava se poderia ser devorado pelas aves de rapina, porque para ser devorado é necessário ser livre. Mas sinto que serei sempre um pássaro caído, um prisioneiro de mim mesmo.
Não sei o que se passa. A sensação de medo se alastra pelo corpo e me sinto paralisado. Lembro dos primeiros dias que passei aqui e percebo que fui uma farsa, um pedaço do que gostaria de ser. Forjei uma vida feliz e, na verdade, melhor seria se tivesse morrido também, como meus pais. Tornei-me refém da sobrevivência, por isso me prenderam aqui. Se tivesse morrido estaria livre. Talvez o problema não seja em estar preso e sim ser um passarinho. Gostaria de ser grande, mas cá estou eu, pequenino e insignificante. De que adianta voar? Mas parece ser tão bom.
Dias atrás, quando me disseram que finalmente chegaria o grande dia, tive uma crise de ansiedade. Fiquei um dia inteiro sem sair do poleiro. Minhas patas grudaram e não saí nem para beber água. Perdi o apetite. Imaginei que tanto o gavião quanto o urubu estariam de prontidão à minha espera. De qualquer maneira, eu já percebia alguns deles imóveis enfileirados a um certa distância de mim. Outros sobrevoando o terreno. E lembrei que enquanto um se alimenta dos vivos, o outro vive dos mortos. De qualquer maneira, estaria perdido. Mas só ontem à tarde quando me vi rapidamente num reflexo da vidraça da janela, reparei que estava triste. Antes não me importava tanto. E o que me dói mais é que não me sinto pronto. Temo por minhas asas frágeis devido à falta de uso. Não sei o que é sair pra caçar. Não sei o que é passar fome. Vivo cercado por finas grades de madeira que me protegem da natureza. Mais uma ironia na minha vida de aspirante à liberdade. Não faz muito sentido ser recolhido depois de ferido e castigado por sobreviver. Por que não consigo voar?
Ah, que saudade dos meus planos, que falta faz o desejo da liberdade. Pois é tão seguro não tentar, quase não dói.
Prefiro esperar pelo dia de amanhã.

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