BRUNO QUINTELLA | Do FACEbook | Burocracia é gasolina
Há trinta anos, o parque americano de Yellowstone teve o maior incêndio de sua história. Uma guimba de cigarro arremessada por um lenhador desencadeou num foco que rapidamente se alastrou. Era fim de julho de 1988. Cerca de duzentos quilômetros quadrados de vegetação foram destruídos pelo fogo. A estratégia protocolar, naquela época, era deixar as chamas se debelarem por si mesmas. Três semanas depois, por causa da faísca de uma ferradura de cavalo, outro foco surgiu na mata. Os dois incêndios, somados, foram os responsáveis pela queima de mil e oitocentos quilômetros quadrados do parque, ou seja, vinte por cento da vegetação de Yellowstone foram destruídos pelo fogo. A pergunta que não queria calar, obviamente, era o que afinal teria causado um incêndio de tamanha proporção – já que sempre houve incêndios no parque mas nunca daquela maneira.
Tanto a guimba de cigarro quanto a ferradura do cavalo foram gatilhos para o incêndio, mas não foram a causa da destruição. A resposta passiva da gerência, somada à lentidão da percepção de que se tratava de um incêndio de grandes proporções, também foi um crucial para o desastre. Mas o que causou a destruição histórica foi um erro da gestão. Deixar as chamas se debelarem sozinhas era uma pratica adotada nos meses de inverno e outono, mas não no verão seco da Califórnia. A estratégia pode funcionar num contexto, mas pode fracassar no outro. A seca do verão e a má gestão do parque foram as causas da destruição de vinte por cento da vegetação de Yellowstone. A guimba e a ferradura foram apenas os gatilhos.
O jornalista e economista americano Barath Anand em seu (ótimo) livro “A Armadilha do Conteúdo” (The Content Trap) explica a transição do mundo tradicional para o digital sob diversas perspectivas. Erros e acertos dessa inevitável migração do consumo – mas também da oferta de conteúdo (jornais, livros, músicas, filmes, etc). Para Anand, incêndios digitais e florestais são semelhantes porque desconstroem a ideia de que árvores, isoladamente, são mais importantes do que a floresta. O foco não é combater as chamas numa árvore, mas reconhecer as condições que fizeram o fogo se alastrar – e não apenas os gatilhos.
O Museu Nacional ardeu em chamas talvez pela queda de um balão ou por um fio desencapado do terceiro andar. Ou por qualquer outra razão denunciada pela imprensa ou pesquisadores. Ou, quem sabe, por algum lenhador ou até mesmo por um cavalo que passasse por ali. Mas a principal causa do incêndio criminoso do Museu Nacional foi má gestão. E o contexto político sob o qual (sobre)vivemos. Burocracia é gasolina. A seca por aqui, diferentemente de Yellowstone, não é sazonal.
É protocolar.
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