MIRO LOPES | PARA LER NO ôNIBUS | O catador de tesouros
Rio, 22 de dezembro.
É verão no
Rio. Miroldo acaba de acordar. O sol invadiu o quarto tão logo seu percurso de
rotação saiu do embarreiramento imposto pela casa em frente, o que manteve uma penumbra ao ambiente mesmo depois do amanhecer. E permitia que dormisse por
mais alguns minutos. Eram 9h da manhã. Por alguns segundos, ficou sonolento,
daquela sonolência preguiçosa de quem
não pensa ainda levantar. Mesmo assim, começou a preparar o ritual para se por em pé. Isto é, ainda deitado, Miroldo esticou os braços acima da cabeça e as
pernas além da extremidade da cama, exercitando os dedos dos pés com movimentos
desencontrados. Por alguns segundos. Depois, encolheu as pernas e com os
joelhos dobrados experimentou dez flexões, levantando o dorso, que se deslocou
minimamente do colchão, e levando as mãos até as dobras das pernas. Suspirou...
Aspirou fundo e expirou lentamente. Duas, três vezes. Aspirou, expirou... Fez
três séries do exercício para garantir que a barriga cederia sem resistência
quando fosse abotoar as calças jeans, presente que o filho dá todos os anos no Dia
dos Pais.
Senta-se à cama, por alguns
segundos, para concluir o ritual de despertar. Kimbol faz parte desse momento.
Kimbol, o poodle de pelo caramelo, vem ao seu encontro, sacudindo o rabo;
põe-se em pé, com as patas dianteiras sobre sua perna esquerda, fareja como se
dissesse ‘bom dia’. É que pela manhã, ‘Miroldo leva Kimbol ao poste para mijar.”
– Ele, Kimbol mijar, não você? – questiona o vizinho desde os tempos de infância.
É quase isso. Pega as havaianas que estão sobre a cadeira, joga-as no piso de cerâmica uma, depois a outra, que provocam uma batida surda de encontro ao chão. Kimbol comemora sacudindo o rabo mais efusivamente. Com a boca aberta e ofegante, pendura a língua à direita. Miroldo pensa consigo – Porque a língua dele não pende para a esquerda?! Divagação que não leva a nada. Enfia os pés nas sandálias ainda sentado. Levanta-se e pega uma bermuda pendurada no cabide bem próximo. Kimbol faz festa. Faz aquela posição de reverencia – que os muçulmanos fazem à Alah – com as patas dianteiras esticadas no chão, dorso em curva e o lombo para o alto, abanando o rabo (o cachorro, não o muçulmano) pra lá e pra cá... pra cá e pra lá como se fosse um limpador de para-brisa. Miroldo pega uma camiseta e a enfia pela cabeça, conserta os cabelos com as mãos, apanha os óculos e, no mesmo cabide, desenrosca a corda que usa como guia para levar o cão à rua.
– Ele, Kimbol mijar, não você? – questiona o vizinho desde os tempos de infância.
É quase isso. Pega as havaianas que estão sobre a cadeira, joga-as no piso de cerâmica uma, depois a outra, que provocam uma batida surda de encontro ao chão. Kimbol comemora sacudindo o rabo mais efusivamente. Com a boca aberta e ofegante, pendura a língua à direita. Miroldo pensa consigo – Porque a língua dele não pende para a esquerda?! Divagação que não leva a nada. Enfia os pés nas sandálias ainda sentado. Levanta-se e pega uma bermuda pendurada no cabide bem próximo. Kimbol faz festa. Faz aquela posição de reverencia – que os muçulmanos fazem à Alah – com as patas dianteiras esticadas no chão, dorso em curva e o lombo para o alto, abanando o rabo (o cachorro, não o muçulmano) pra lá e pra cá... pra cá e pra lá como se fosse um limpador de para-brisa. Miroldo pega uma camiseta e a enfia pela cabeça, conserta os cabelos com as mãos, apanha os óculos e, no mesmo cabide, desenrosca a corda que usa como guia para levar o cão à rua.
Desce a histórica Vila Savana –
onde nasceu e viveu Emilinha Borba – a minha, a sua , a nossa favorita da
Marinha – e até chegar ao portão, a cada 10 metros, Kimbol vai demarcando seu território. No olho da rua
não é diferente, Kimbol continua sua 'via urinarius' – às vezes interrompida para
o número dois. É quando Miroldo retoma seus exercícios, agora, involuntários.
Desta feita para recolher o cocô. O peso da idade se revela nessa hora em dores
nas costas. Curva-se e as pernas não flexionam o suficiente para que a coluna
acompanhe sem trauma. E sem dor. Se valesse catar cocô de cachorro, o tanto que
recolheu até agora nesses passeios com Kimbol daria para ficar mais rico do que
o filho do metalúrgico que catava de cocô de elefante e virou trilionário (ou seja, três vezes milionário).
Esclarecendo, o catador de cocô era o filho; o metalúrgico ficou octalionário (Seria isso mesmo? Oito vezes multimilionário?) não catando cocô como o filho, mas sim fazendo outro tipo de cagada.
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