XERLOQUE LOPES | @pullitzer | ATé QUE A SORTE OS SEPARE
Tudo começou por causa de um (ou será uma?) telefonema.
– ‘Fulano’ está?
– Não está. Quem quer falar com ele? Quer deixar recado? Devolveu a mulher de ‘fulano’.
À noite, ‘fulano’ chega em casa, joga a mochila no sofá, corre para o banheiro, desabotoando o cinto e abaixando o zíper das calças deságua todo o chope consumido pelos bares da Lapa, com seu mais novo amigo de infância e boemia, conhecida personalidade da noite grande. Volta à sala, tira a camisa e joga num canto, estira-se no sofá, procura o controle da televisão e um canal que esteja passando filme. De porrada, preferencialmente. Não encontra. É antevéspera de Natal. Quarta-feira, 23 de dezembro.
A mulher reclama que ele urinou fora do pinico. Literalmente. A pressa é inimiga da perfeição, diz o adágio. Concorda. Mas nem lúcido se acerta o jato no vaso, imagine de porre, pensa com seu umbigo.
– Você é mesmo, porco!
A voz dela está fora de tom. Há uma incontrolável irritação no ar, sua voz bate nas paredes e rebate nos ouvidos do marido, troando tímpanos adentro.
– Olhaí, não tem jeito, não! Joga a roupa suja em qualquer lugar... Não vou lavar nada amanhã....Não sou empregada, não! Reclama quase gritando e resmunga outras coisas que ele não identifica, mas imagina por força do convívio. São mais de 40 anos de convivência, entre namoro e casamento.
Na televisão, como sempre, nada interessante. Em todos os canais, o noticiário de sempre... lojas fazendo promoções natalinas, gente fazendo compras de última hora, enfrentando filas intermináveis para pagar o que conseguiu pegar nas prateleiras, quando o serviço é cada um por si e Deus por todos, se não, tem que esperar na fila para ser atendido. Depois tem a fila para pagar as compras, o estacionamento, a fila para sair do shopping, do supermercado, enfim. Aliás, nunca vi gente gostar tanto de fila quanto carioca. Acho que fila é a preferência do carioca. Bunda e futebol vem em segunda e terceira colocação, não necessariamente nessa ordem. Engraçado, já repararam que quando dizem que a bunda é a preferência nacional, nunca especificam se o produto da admiração (nem se o admirador do produto) é masculino ou feminino?! Nosso personagem aqui, prefere bunda feminina à fila, ao futebol, à praia (embora seja nas praias que elas abundam) e a qualquer outra coisa. E olha que o camarada (ele se autodenomina comunista de carteirinha) gosta mesmo é da boemia.
– Uma mulher ligou perguntando por Você. Disse que era ‘fulana de tal’.
Emocionalmente descontrolada, mas controlando o tom de voz:
– Não tem vergonha, não?! Mandando essa safada – safada mesmo, é isso que ela é! – ligar pra cá. E ainda, bate o telefone na minha cara.
A ‘fulana de tal’ se identificara pelo nome de uma atriz televisão que fez muito sucesso na Vênus Platinada. Ele ficou em dúvida sobre o telefonema até porque não ouvia falar da mulher há alguns anos, tantos quantos não a via pessoalmente, nem em programas de tevê.
– Pode ir se preparando que não vai mais dormir comigo.
Depois de resmungar baixinho coisas que ele não entendeu mas imaginou, ela arremata fazendo muxoxo de aborrecimento:
– Porque não vai embora?! ...
‘Fulano’ responde: “Está me mandando embora?”
– É! Vai embora mesmo! reforça com ênfase, manifestando um desejo convincente, que fez ela acreditar que o desamor tinha se alojado na relação deles.
‘Fulano’ engoliu em seco, pensou alguns segundos em argumentar, mas achou que não ia adiantar nada. Com os olhos marejados e disfarçando, reagiu:
– Não posso sair de casa agora. Não tenho para onde ir, nem dinheiro para pagar um hotel. Para casa da minha mãe, não posso ir, será mais um problema para ela. A mãe não pode ter mais problemas dos que já tem, Você sabe!
‘Fulano’ propôs ficar na casa, até que pudesse mudar de moradia. O sono chegou, ele foi dormir na cama do casal. Alegou problemas da coluna, o colchão há havia tomado o formato lateral do seu corpo, etc.‘Fulano’ que não acreditava em jogo, aposta na mega-sena todas as semanas, na esperança de um dia arrumar uma grana para se mudar. Lá se vão cinco anos...
... e até hoje, a mulher dorme no sofá!
(Rio, outubro de 2000)
Comentários
Postar um comentário