XERLOQUE LOPES | PARA LER DEBAIXO DO COQUEIRO VERDE
NEM ZÉ, NEM MANÉ
Malandro não pode se chamar Zé, nem Mané, que é pra não virar Zé Mané. Por isso, seu Donguinha, que tinha um histórico de malandragem nas ladeiras de Salvador, perto do Pelourinho, lá para os idos de 30/40 do século passado, decidiu que não poderia, como queria D. Menininha, batizar o primogênito de José Manuel (Desculpou-se mentalmente, com todos os Zés Manés, que poderiam existir).
Aliás, D. Menininha tinha o único argumento de que só queria homenagear os avós do rebento. A possibilidade da homenagem ao pai de seu Donguinha não o sensibilizou e o moleque recebeu, na pia batismal, o nome de Bonfim.
Seu Donguinha e D. Menininha vieram para o Rio em lua de mel e ficaram. Foram morar na favela da Candelária, no pé do Morro Telégrafo, próximo à Quinta da Boa Vista.
Aos 19 anos, Bonfim, um mulato feio, já se insinuava nos redutos boêmios à caça de aventuras. Herdara o andar malandreado, o bigodinho fino, a vaidade e até a arrogância do pai, que via todos de cima. Não dispensava o terno branco, a camisa listrada, a gravata e o lenço vermelho, o sapato bicolor. Seu Donguinha tinha orgulho do filho por ter lhe puxado o estilo. Menino sangue bom! E, ainda de quebra, um galanteador. Sem criatividade alguma, mas insistente que era chato, às vezes. Uma ou outra cantada acabava acertando em cheio,
o coração de alguma moçoila incauta e carente, que a sorte lançava no seu caminho.
Mas o olhar de Bonfim, com seus olhos negros e atentos, recaía sobre Clara, mulata mais-que-perfeita, com curvas de perdição, naturalmente esculpida pela inspiração de Deus, num desses dias que ele resolvera melhorar o elenco humano. A argila da qual Clara foi feita, certamente, é minério que Deus trouxera de outro planeta, para garantir a exclusividade de sua criação. Cinturinha fina, coxas grossas, traseiro provocante, pele lisa e brilhosa de uma morenice que faz velhinho na porta da Colombo babar.
Mas, quem babava mesmo era Bonfim. O malandro caprichava no perfume e no penteado para seduzir a morena, que descia a estreita e esburacada ladeira da Candelária, a caminho da quadra do Cerâmica, onde rolavam os ensaios da Estação Primeira.
Sobre o corpaço, Clara usava vestidinhos jeitosos, de tecido leve, caimento tão azado que não lhes escondia as formas sinuosas, por que essas não havia como esconder. Tudo movia as intenções nada pudicas, de Bonfim, que pensava saborear tudo, com beijos nas maçãs do rosto e lábios carnudos, mordidelas nas perinhas, logo abaixo do pescoço, apertos nos volumosos e macios traseiros. E, ainda, rezar na catedral do amor.
De qualquer maneira, era um andor de prazeres difícil de Bonfim carregar. Quase impossível. Mas Bonfim já tinha decidido investir toda sua lábia medíocre, mas farta na conquista da morena. Passou na birosca, bebeu umazinha e enveredou para a pista, onde Clara, descontraidamente, gingava, com graça e charme, o samba de Hélio Turco, Darcy da Mangueira, Batista, Luiz e Dico, O Mundo Encantado de Monteiro Lobato. Bonfim não perdeu tempo e a cortejou como um mestre-sala à sua porta-bandeira. Clara aceitou.
Ao fim, Bonfim sussurrou no ouvido da morena: Foi um grande prazer dançar com você. Do alto dos seus, 1m75, sem somar nos 15cm do salto plataforma, que naquela época somente as African Girls do Sílvio Aleixo usavam na Katakombe, Clara falseou um sorriso e falou, baixando o olhar para os 1m49 de Bonfim, no que pese o saltinho carrapeta que lhe dava mais três centímetros de altura:
– Foi???... Então não É? Retrucou a mulata fingindo-se ofendida.
E repetiu a pergunta: – Então, não é um grande prazer dançar comigo? E emendou:
Está me dispensando? criticando o galanteio de Bonfim e o deixando malandro desconcertado.
– Perdi! Pensou Bonfim...
Qual o quê?... Para facilitar as coisas na vertical, Clara mandou Bonfim dar uma solução, senão nada feito. Mas, como malandro que é malandro não bobeia, Bonfim mandou fazer uma escadinha com três degraus para poder ficar à altura da sua musa, sempre que tivessem que namorar no portão de casa.
PS: Ilustração de Lan captada do Google.
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