BRUNO QUINTELLA | Do FACEbook | Bastidores da TV : a voz da Globo, Marco Pedra e furo jornalistico
Bruno Quintella
25 de novembro às 10:32 ·
- TV Globo, boa tarde...
- Amigo, boa tarde. Tudo bem? (voz muito melosa, deveria ser trote, pensei). Meu nome é Dirceu Rabelo, talvez você não me conheça, mas eu sou a voz da TV Globo.
- Ah, jura? Que legal.... – debochei internamente ao pensar que se tratava de mais um maluco que ligava para a redação.
Eu trabalhava no setor de denúncias.
- Sim, mas ligo por outro motivo. Acabei de testemunhar uma cena inusitadíssima aqui na Barra da Tijuca, em frente à Parmê. Pois bem. Estava eu almoçando quando vi, do lado de fora, dois carros pretos com sirenes azuis interceptarem um terceiro carro. Saltaram dois policiais federais com coletes, armados, um de cada carro, e obrigaram o motorista deste ultimo automóvel a saltar com a mão na cabeça. (E eu já sentia que ou esse Dirceu era louco solto ou era muito são)
A voz do outro lado da linha prosseguiu:
- Até esse momento achava que se tratava de uma abordagem ou prisão. Mas o curioso foi quando o suposto bandido ou assaltante, sei lá, entrou em luta corporal com um dos agentes, enquanto o outro policial entrava no carro do abordado e dava partida! Partiram os três carros e o rapaz ficou lá, largado no meio da Avenida das Américas, com uma algema pendurada em um dos pulsos. Não é estranho?
- Se foi isso mesmo (olha eu teimoso), a história parecer ser ótima. O caso foi para delegacia da Barra, sabe dizer?
- Olha, isso eu não sei. Mas o que eu sei é que um fotógrafo do Estadão, que tava almoçando ali perto, fez tudo sozinho.
Era o que eu precisava ouvir. Agradeci e liguei para a chefia do Estadão e relatei o ocorrido com detalhes. Disse que a gente tava fazendo também, mas ia recuperar a história apenas na delegacia (e deixei que omitissem o flagrante, como o fizeram, claro), sonegando a informação de que sabia que eles tinham feito. Pela reticência das respostas, percebi que a voz da TV Globo tinha eco. Eram duas da tarde.
Corria o ano de 2007. Época do Pan, a Barra vivia cheia de jornalistas e atletas. Eu trabalhava na apuração (setor de polícia e denúncia) e sempre gostava de ir pra rua cobrir casos, quaisquer que fossem. Nesse fatídico dia, atmosfera olímpica, o noticiário policial deixava de ser prioritário – até porque nessa época havia uma lua-de-mel entre classe-média e governo estadual – e o esportivo se destacava. E eu queria checar denúncia que tinha recebido.
Telefonei para delegacia da Barra e o delegado confirmou o caso, mas não iria dar detalhes porque a vítima (opa) tinha acabado de chegar e estava nervosa. Foi quando passei um rádio para o Marco Pedra que havia conhecido na época da CORE, e que era chefe de investigação da 16ª. “Vem pra cá”.
Apenas às 17h conseguimos uma equipe de reportagem para apostar na história. O Ricardo Rodrigues disse assim: “Meu bom, o Trinta tá chegando aí na área. Vai com ele e vê o que você descobre.”
Ao chegar na delegacia da Barra, o repórter do Estadão, ao ver o nosso carro, começou – literalmente – a arrancar os cabelos. (eu faria o mesmo, hoje me solidarizo). Do lado de fora, começou a perguntar quem tinha passado a história para a TV Globo. Em seguida, saem dois delegados federais e afirmam categoricamente que não houve nenhuma ação da PF naquela tarde. A história crescia.
O Pedra, pelo rádio, falou pra mim: “Olha, bota o crachá pra dentro, diz só que você é o Bruno e pergunta pelo delegado. Ele tá lá em cima com o cara. Sobe direto que te recebo aqui. Aí é contigo.”
Seguidas as instruções, chego sozinho ao andar de cima e consigo entrevistar a vítima. Era um golpe. O rapaz tinha sido atraído para uma armadilha, era dono de uma casa de cambio. Recebera um telefonema para trocar uma quantia alta de dólares e no meio do caminho, fora interceptado. Perdeu o carro e a quantia referente em real. Não quis gravar nem conversar com o cara do Estadão (havia falado antes). Delegado gravou entrevista, imagens de costas da vítima, tudo ok. Quando estávamos indo embora, um outro policial me chama no canto e diz: ‘vai pro Recreio, que desovaram o carro lá’. Infelizmente, a concorrência já tinha ido embora.
Voltando pra redação, a Happy Carvalho me liga e diz que o Estadão publicou as fotos e eram maravilhosas. O Fabiano Villela fechou uma reportagem durante a madrugada, depois do JG noticiar o fato. Ou seja, não tomamos furo.
No dia seguinte na redação, muitos tapinhas nas costas, etc. Estava feliz com a aventura. Mas até aí, nada de tão relevante. Apenas não tomamos furo. Porém quando olho pro RJTV, a Ana Paula Araujo está ao vivo na delegacia da Barra, onde os supostos policiais federais haviam se entregado. Eram bombeiros, adidos da DAS (Delegacia Anti-Sequestro). Foram presos.
Furamos.
E, no meio da tarde, surge na sala da apuração a figura alta, calva, sorridente.
Era Dirceu Rabelo:
- E aí, aquela história era boa, hein?!?!
=================================
Marco Pedra, essa história, se eu conto hoje em dia, foi por sua causa. O que me dá um baita orgulho da minha e da sua profissão.
Muito obrigado pelos aprendizados.
Descanse em paz.Bruno Quintella
25 de novembro às 10:32 ·
- TV Globo, boa tarde...
- Amigo, boa tarde. Tudo bem? (voz muito melosa, deveria ser trote, pensei). Meu nome é Dirceu Rabelo, talvez você não me conheça, mas eu sou a voz da TV Globo.
- Ah, jura? Que legal.... – debochei internamente ao pensar que se tratava de mais um maluco que ligava para a redação.
Eu trabalhava no setor de denúncias.
- Sim, mas ligo por outro motivo. Acabei de testemunhar uma cena inusitadíssima aqui na Barra da Tijuca, em frente à Parmê. Pois bem. Estava eu almoçando quando vi, do lado de fora, dois carros pretos com sirenes azuis interceptarem um terceiro carro. Saltaram dois policiais federais com coletes, armados, um de cada carro, e obrigaram o motorista deste ultimo automóvel a saltar com a mão na cabeça. (E eu já sentia que ou esse Dirceu era louco solto ou era muito são)
A voz do outro lado da linha prosseguiu:
- Até esse momento achava que se tratava de uma abordagem ou prisão. Mas o curioso foi quando o suposto bandido ou assaltante, sei lá, entrou em luta corporal com um dos agentes, enquanto o outro policial entrava no carro do abordado e dava partida! Partiram os três carros e o rapaz ficou lá, largado no meio da Avenida das Américas, com uma algema pendurada em um dos pulsos. Não é estranho?
- Se foi isso mesmo (olha eu teimoso), a história parecer ser ótima. O caso foi para delegacia da Barra, sabe dizer?
- Olha, isso eu não sei. Mas o que eu sei é que um fotógrafo do Estadão, que tava almoçando ali perto, fez tudo sozinho.
Era o que eu precisava ouvir. Agradeci e liguei para a chefia do Estadão e relatei o ocorrido com detalhes. Disse que a gente tava fazendo também, mas ia recuperar a história apenas na delegacia (e deixei que omitissem o flagrante, como o fizeram, claro), sonegando a informação de que sabia que eles tinham feito. Pela reticência das respostas, percebi que a voz da TV Globo tinha eco. Eram duas da tarde.
Corria o ano de 2007. Época do Pan, a Barra vivia cheia de jornalistas e atletas. Eu trabalhava na apuração (setor de polícia e denúncia) e sempre gostava de ir pra rua cobrir casos, quaisquer que fossem. Nesse fatídico dia, atmosfera olímpica, o noticiário policial deixava de ser prioritário – até porque nessa época havia uma lua-de-mel entre classe-média e governo estadual – e o esportivo se destacava. E eu queria checar denúncia que tinha recebido.
Telefonei para delegacia da Barra e o delegado confirmou o caso, mas não iria dar detalhes porque a vítima (opa) tinha acabado de chegar e estava nervosa. Foi quando passei um rádio para o Marco Pedra que havia conhecido na época da CORE, e que era chefe de investigação da 16ª. “Vem pra cá”.
Apenas às 17h conseguimos uma equipe de reportagem para apostar na história. O Ricardo Rodrigues disse assim: “Meu bom, o Trinta tá chegando aí na área. Vai com ele e vê o que você descobre.”
Ao chegar na delegacia da Barra, o repórter do Estadão, ao ver o nosso carro, começou – literalmente – a arrancar os cabelos. (eu faria o mesmo, hoje me solidarizo). Do lado de fora, começou a perguntar quem tinha passado a história para a TV Globo. Em seguida, saem dois delegados federais e afirmam categoricamente que não houve nenhuma ação da PF naquela tarde. A história crescia.
O Pedra, pelo rádio, falou pra mim: “Olha, bota o crachá pra dentro, diz só que você é o Bruno e pergunta pelo delegado. Ele tá lá em cima com o cara. Sobe direto que te recebo aqui. Aí é contigo.”
Seguidas as instruções, chego sozinho ao andar de cima e consigo entrevistar a vítima. Era um golpe. O rapaz tinha sido atraído para uma armadilha, era dono de uma casa de cambio. Recebera um telefonema para trocar uma quantia alta de dólares e no meio do caminho, fora interceptado. Perdeu o carro e a quantia referente em real. Não quis gravar nem conversar com o cara do Estadão (havia falado antes). Delegado gravou entrevista, imagens de costas da vítima, tudo ok. Quando estávamos indo embora, um outro policial me chama no canto e diz: ‘vai pro Recreio, que desovaram o carro lá’. Infelizmente, a concorrência já tinha ido embora.
Voltando pra redação, a Happy Carvalho me liga e diz que o Estadão publicou as fotos e eram maravilhosas. O Fabiano Villela fechou uma reportagem durante a madrugada, depois do JG noticiar o fato. Ou seja, não tomamos furo.
No dia seguinte na redação, muitos tapinhas nas costas, etc. Estava feliz com a aventura. Mas até aí, nada de tão relevante. Apenas não tomamos furo. Porém quando olho pro RJTV, a Ana Paula Araujo está ao vivo na delegacia da Barra, onde os supostos policiais federais haviam se entregado. Eram bombeiros, adidos da DAS (Delegacia Anti-Sequestro). Foram presos.
Furamos.
E, no meio da tarde, surge na sala da apuração a figura alta, calva, sorridente.
Era Dirceu Rabelo:
- E aí, aquela história era boa, hein?!?!
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Marco Pedra, essa história, se eu conto hoje em dia, foi por sua causa. O que me dá um baita orgulho da minha e da sua profissão.
Muito obrigado pelos aprendizados.
Descanse em paz.Bruno Quintella
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