BRUNO QUINTELLA | Do FACEbook | Pesadelo de Lobianco
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Não conheço o ator Luis Lobianco, tenho amigos que o conhecem. Mas me solidarizo ao que tem passado. Não sou transexual nem gay, mas me sinto à vontade para opinar sobre o massacre virtual e político ao que o ator vem sofrendo pelos grupos de transexuais e travestis (além de outras pessoas não necessariamente ativistas ou engajadas na causa). Para quem não está a par do que acontece, para resumir bem (porque essas coisas não são passíveis de resumo): Lobianco idealizou um projeto teatral e como o teatro anda mal das pernas, chamou amigos para integrar a equipe, além do marido. Todo mundo sem grana entra com trabalho e depois vê como faz. Corre atrás de apoio, de patrocínio, etc. Quem já fez projeto cultural sabe – e quem não fez é fácil de imaginar que é pedreira.
A questão é que a personagem central da peça em questão é inspirada na transexual brasileira Gisberta, assassinada em 2006 por adolescentes depois de ser torturada por dias, em Portugal. Gisberta fugiu para Europa depois que várias amigas foram mortas aqui, mas, como se sabe, a maldade do ser humano dispensa passaportes. Bom, Lobianco, idealizador do projeto, conseguiu colocar a peça de pé. E no projeto, como desde o início, ele interpretaria o papel principal.
Já com o espetáculo em cartaz, o ator e produtor foi alvo de uma chuva de críticas de alguns representantes de ONGs LBGT e transexuais com a alegação de como Lobianco é “apenas” gay (ou seja, cisgênero) ele não tem a representatividade genuína da resistência a qual Gisberta é referência. Ou seja, por não ser transexual, o artista deveria ter amputada a verve, a criatividade, a arte por “seu lugar de fala”ser mais cômodo e por isso o trabalho seria caricato. Como se vê, Lobianco não é bom o suficiente para protagonizar a peça que idealizou, pesquisou arregaçou as mangas, ralou e montou para abrir ainda mais o debate, inserir cada vez mais o assunto da arte para o real. Lugar de fala, aprendam isso.
Fico imaginando se mulheres viessem reclamar que, por Renato Russo não ser mulher, não poderia ter escrito ou muito menos interpretado sua canção “1o de Julho”, mesmo gay, pois seu lugar de fala não representa as agruras que passam as mulheres nesse país; Chico Anysio não poderia nunca interpretar seus papéis incríveis, afinal era heterosexual, branco, mesmo nordestino; Jô Soares nunca teria em seus programas um personagem chamado Capitão Gay, porque é branco, rico, hétero, mesmo obeso; Carolina Ferraz não representaria nunca uma travesti no cinema se dependesse de algumas associações, porque é mulher (hetero) tampouco Rodrigo Santoro, porque é homem (hetero).
Ah, mas tem a Gloria Perez. Sim.
Gloria Perez é referência, é vanguarda. Escalar atores trans e gays para representarem parte do universo de onde saíram, de onde estão e para onde vão na televisão é relativamente novo – faz parte do mundo contemporâneo. Ela teve a percepção (Gloria Perez, senhores!) que chegava a hora da inclusão da representatividade. Uma novela. Trocentos personagens, vários núcleos, elenco principal, secundário, diretores, assistentes, produtores, etc. Verba. Grana. Projeto profissional. Não era obrigação, muito pelo contrário, era visão mesmo. Vamos falar de trans. E a novela foi um sucesso, não só por isso – mas muito por isso.
Comparar a escalação de ator de projeto-pessoal-teatro com projeto-profissional-televisão é covardia. Lobianco tem todo direito de estrelar a peça que ele mesmo pesquisou e idealizou. Ele é um ator. Se Gisberta representa tanto assim para as transexuais, ainda é desconhecida a razão porque, até hoje, Lobianco foi o único a homenagear a personagem em questão.
Bruno Quintella
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