BRUNO QUINTELLA | Do FACEbook | Não vão nos calar


Dez anos atrás eu abria o jornal e lia que dois repórteres haviam sido capturados e torturados por dias numa favela da zona oeste do Rio. Depois foram soltos e a comunidade foi contemplada com a instalação de uma upepê. Os torturadores eram policiais e pertenciam a um grupo de milicianos. Esse caso foi contado até em filme, mas o desfecho na ficção foi outro.
Anteontem, dois homens armados com fuzis mataram com vários tiros um cara no estacionamento do Outback da Barra da Tijuca. Os jornais dizem que a ação foi comandada pela milícia que comanda uma região da zona oeste do Rio.
Uma das maiores lições de Mahatma Gandhi era a resistência pacífica. Deve ser de difícil compreensão para os que defendem o uso de armas. Ideias não morrem, muito menos ideais. Gandhi só foi entender o que era discriminação de fato quando colocou os pés na África do Sul e sentiu na pele o racismo do país dominado pelos britânicos. Hindus, além dos negros, não deveriam sequer ter direito a voto. Gandhi chegou a ser espancado por uma turma racista sul-africana. Como um bom advogado, gostava de brigar e permaneceu lá por mais de vinte anos principalmente por defender a minoria hindu que sofria muito naquele país adepto do apartheid holandês. A famosa desobediência civil viria em seguida, quando decidiram ‘inventariar` a população hindu e a recusa dessa humilhação foi o ponto de partida. Gandhi e outros seguidores foram presos, ocasião em que até Leon Tolstoi lhe escreveu para saber como estavam as coisas. É de Mahatma uma frase que diz assim: “O medo tem alguma utilidade, mas a covardia, não.”
Foi assassinado há setenta anos.
Defensora de direitos humanos, cria de favela, preta, pobre, Marielle Fraco é um exemplo de resistência pacífica no mundo contemporâneo. Suas ações eram suas armas e sua luta era a resistência. Sua vida. Sua trajetória. Claro que por ser mulher e negra se tornou um alvo mais vulnerável, quem acha que isso tem pouca e nenhuma importância ou é branco ou não conhece a história. “Mas isso não tem importância (ou pouca), o que é, de fato, uma acinte, uma afronta, é porque mataram um vereador do município."
No ano do centenário de Nelson Mandela, que enfrentou pacificamente uma África do Sul que já era racista desde antes da passagem de Gandhi, o Brasil decide presentear seu povo e sua história negra com o assassinato de uma líder comunitária, ativista política, cria de gueto, pobre, favelada, mãe e preta.
Milícia, sociedade elitista, governo branco e machista, cidade partida. Rio is the new Soweto.
E a nossa mártir é mulher e negra. Marielle vive!
Não vão nos calar.

Bruno Quintella
2 h

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